quinta-feira, 26 de março de 2009

Avaliação em UTI. Passagem de plantão (parte 3)

Eu comentei na primeira parte deste assunto, que os fisioterapeutas intensivistas devem melhorar o conhecimento sobre PASSAGEM DE PLANTÃO EM UTI. Para encerrar este tema, convidei um fisioterapeuta intensivista muito competente e professor, o Dr. Rodrigo Queiroz, autor do blog: Mobilidade Funcional que também ajudará a esclarecer este assunto, dando uma visão fisioterapêutica às perguntas que formulei. Recomendo o seu blog a todos.

1. Qual a ordem hierárquica das informações a serem passadas na mudança de plantão?

Rodrigo: Em minha opinião, é preciso inicialmente criar uma linha de tempo enfocando a história clínica do paciente (principalmente se quem está recebendo o plantão ainda não o conhece). Essa linha deve iniciar do dia da admissão do paciente, nome, idade, de onde ele veio, como chegou, intercorrências, co-morbidades, e deixar bem claro o que motivou a hospitalização... Ou seja, situar o colega na condição clínica anterior do paciente. Essa etapa muitas vezes é deixada de lado por nós, mas é de fundamental importância, pois envolve a quantidade de dias que esse paciente está internado (lembramos dos aspectos relacionados à imobilidade no leito), dias em ventilação mecânica, oxigenoterapia, se a não invasiva falhou, ou mesmo se assistência foi rápida e eficiente (lembramos dos aspectos relacionados ao 2° e 3° trauma, que afetam sensivelmente o prognóstico). A continuidade da narrativa clínica em minhas passagens plantão segue um raciocínio quase que céfalo-caudal: cabeça, tronco e membros.

- Nível de consciência e aspectos sedoanalgésicos.

- Aspectos ventilátórios, expansibilidade, ausculta pulmonar, faz uso de que suporte e o porquê, aspectos relacioados a secreção (tipo, volume), tosse, predisposição a atelectasia, terapêuticas implementadas, cuidados especiais (fraturas, osteoporose...), ventilometria, manovacuometria, RX, TC, entre outros. - Aspectos hemodinâmicos – pulso, perfusão, FC, PA, drogas, cuidados e observações se houve instabilidade e o que causou, outros exames, ECG, ECO.

- Aspectos metabólicos e marcadores de infecção - febre, leucograma e hemograma (enfocando coagulação e hemoglobina), hemogasométricos, lactato, antibioticoterapia...

- Aspectos motores – tendência à retração e contratura (qual o músculo ou cadeia muscular?), zonas de pressão, posturas e posicionamentos admitidos, qualidade de transferência, tônus muscular...

- Aspectos nutricionais, psicológicos, familiares...

- O que tem de programação, desmame da prótese ventilatória, das drogas, cirurgias, exames... Treinamento muscular ventilatório...

2. Informações qualitativas e impressões pessoais são mais apreensíveis que as quantitativas?

R: Sou um adepto das estatísticas, gráficos, fórmulas e equações, PEEP ideal... Volume minuto ideal... Entretanto considero de fundamental importância qualificar aquilo que nós vemos, os números são muito duros! Trabalho numa UTI pediátrica, e digo sempre (até escrevo também), criança coradinha, com uma carinha boa, bom pulso e perfusão, boa entrada de ar em ambos hemi-tórax, já está rolando bem, tem dificuldade para ficar sentadinho sem apoio... Isso principalmente quando tenho pacientes neurológicos de difícil desmame, prontuário cheio, 100, duzentos dias de internação, 1 ano, 4 anos!... Estamos lidando com uma pessoa, com um ser humano, que tem família, e não com uma relação P/F que não passa de duzentos!

3. Devemos falar sobre pacientes mais graves primeiro ou seguimos a ordem dos leitos?

R: Em geral sigo a ordem dos leitos. Entretanto, principalmente em pediatria, instabilizar é uma questão de segundos, priorizo esse paciente e coloco ele primeiro na fila... Até como forma de chamar a atenção. Pois se esse mesmo paciente estivesse no isolamento, último leito em minha unidade, seria o último, e talvez o processo de assimilação não fosse tão eficiente quanto.

4. Quando é necessário fazer um resumo retrospectivo do caso?

R: Daniel, isso é algo que sempre chamo atenção dos meus alunos... evoluir um paciente é contar bem a sua história. Algumas informações são facilmente perdidas ou esquecidas no espaço/tempo! Sim, espaço/tempo foi a forma que encontrei para dizer que resumir não é relativo de quantidade de informações no decorrer do tempo e sim de intensidade e importância dos fatos. Por exemplo: vamos imaginar que acabamos de admitir uma criança com cetoacidose diabética, gravíssima, com edema cerebral importante, cursa com edema agudo de pulmão e é intubada, faz um pneumotórax, pneumonia, dificil de ventilar, Peep alta, instabiliza hemodinamicamente, parada...reanima... Isso tudo pode acontecer no mesmo espaço de tempo que gastamos para ler essas quase cinco linhas... O que quero dizer é que, principalmente para pacientes crônicos temos que voltar nos arquivos, e em algumas linhas introdutórias, antes das nossas evoluções, ou mesmo digitando numa folha separada, aspectos relativos a história clínica desse paciente. Mas, existem situações que, mesmo num espaço curto de tempo, são muitas as alterações do quadro clinico, tentativa e erro, diversos problemas associados, que mesmo contando com essas informações na ficha de avaliação e nas evoluções subseqüentes, é imperativo que o profissional, para um bom andamento do serviço, exponha um resumo clinico da situação.

5. A passagem à beira do leito é melhor que a realizada na sala de plantão? Por quê?

R: Gosto de fazer uma pesquinha (tipo um algoritmo norteador), pegar uma prancheta com o prontuário, e fazer a passagem a beira do leito... Discorrendo e mostrando. Acho que facilita a assimilação. Até li algo sobre isso lá no blog do Haroldo Falcão, se não me falha a memória. Entretanto, acredito na passagem de plantão em comum, por toda a equipe. E geralmente, nas UTIs onde isso acontece, pelo menos nas que conheço, isso é feito numa salinha de reuniões e não a beira do leito. Grande abraço.

Muito obrigado Rodrigo pela grande colaboração que deste a este tema. Gostei muito das suas informações, principalmente sobre pediatria em UTI, assunto que lido pouco na minha prática profissional.

A passagem de plantão, como mencionei no fim da postagem anterior, é uma CONVERSA entre dois ou mais profissionais, voltada aos fatos ocorridos com os pacientes internados. Ela retrata, em maior ou menor grau, uma situação nova e única, os dados informados são momentâneos e normalmente não se repetem. Para um diálogo ou conversa, mesmo se tratando de um assunto técnico-profissional, como uma passagem de plantão, não existe um protocolo próprio de realização, cada profissional pode ter uma maneira própria. Porém, como as informações tratadas podem influenciar a evolução dos pacientes, alguns concelhos ou regras pessoais foram muito bem mencionados pelos colaboradores. Por fim, proponho aos leitores uma reflexão profunda sobre tudo que foi dito nestas postagens e que discutam o assunto com profissionais mais experientes.

Agradeço mais uma vez ao Dr. Haroldo Falcão, médico intensivista, pela participação na parte 2 deste assunto e ao Dr. Rodrigo Queiroz, fisioterapeuta intensivista, neste encerramento, seus comentários foram bastante esclarecedores e úteis para nós profissionais intensivistas e aos cadêmicos que estão começando nesta área.

Aguardem novas publicações!

Abraços a todos.

sábado, 21 de março de 2009

Avaliação em UTI. Passagem de plantão (parte 2)

Na tentativa de esclarecer um pouco mais este assunto, formulei algumas perguntas abaixo e enviei-as ao Dr° Haroldo Falcão, médico intensivista e autor do blog: Apontamentos em Terapia Intensiva. Este profissional, além de muito competente, reflete muito sobre questões didáticas e éticas na área médica. Vale muito a pena consultar o seu blog.

1. Qual a ordem hierárquica das informações a serem passadas na mudança de plantão?

Haroldo: Inicialmente o nome e a idade, seguido de um breve histórico no CTI, mas sem entrar nas minúcias de cada um dos problemas do paciente. Seria um histórico com as feições de uma "linha do tempo", como já apresentei em uma postagem anterior. É importante também, a meu ver, apresentar qual a impressão defendida pela rotina médica e sua impressão durante o plantão, que devem ser encaradas como hipóteses a serem testadas a medida que novas informações confirmem ou contradigam o entendimento sobre o paciente naquele momento.

2. Informações qualitativas e impressões pessoais são mais apreensíveis que as quantitativas?

H: Eu diria que elas podem ser mais convincentes...e aí mesmo está o perigo. Voltando à primeira pergunta, não se trata de "vender" a minha ou a melhor visão sobre o paciente, mas em se confirmar ou não as hipóteses elaboradas sobre o caso clínico. O paciente está melhor? Que dados confirmam isto? Ele esta pior? Quais informações objetivas corroboram esta impressão?

3. Devemos falar sobre pacientes mais graves primeiro ou seguimos a ordem dos leitos?

H: Imagino que seria mais apropriado apresentar os mais graves primeiro. Quem recebe o plantão também tem um limite de acúmulo de informações (por exemplo, prestar atenção nas informações sobre o leito 11 não é tão fácil quanto no leito 2, principalmente quando o colega que deixa o plantão precisa sair mais rápido, ou nas passagens de plantão noturno).

4. Quando é necessário fazer um resumo retrospectivo do caso?

H: No meu modo de organizar informações, sempre acho importante uma "contextualização". Alguns pacientes se encaixam em categorias bem conhecidas de quem trabalha em CTI, por exemplo, o paciente demenciado, com sepse pulmonar por boncoaspiração, tratada e revertida, e que está em desmame após traqueostomia...Nesses casos podemos ser mais sucintos mas, não raro, nos deparamos com situações inesperadas que merecem um detalhamento maior. Saber quais informações "compactar" e quais "desenvolver"é, para mim, uma arte...

5. A passagem à beira do leito é melhor que a realizada na sala de plantão? Por quê?

H: O meu sonho é passar o plantão leito a leito, já evoluindo e prescrevendo. Seria a situação ideal de continuidade do fluxo de informações, mas desconheco se alguma unidade opera desse modo. Se existe, gostaria de conhecer. Penso que a passagem à beira do leito - nem que fosse um "sobrevôo" - com as devidas complementações à parte, na sala dos médicos seria uma meta modesta e factível. Mas seja na beira do leito, seja na salinha, vejo os profissionais que passam o plantão como os responsáveis pela manutenção de um eixo narrativo coerente e fiel, com a missão especial e difícil de tornar a informação clara para quem chega. Espero ter respondido a contento as suas perguntas. Fiquei muito honrado e deixo meu abraço e os parabéns ao seu belo trabalho neste blog.

Muito obrigado Haroldo! Gostei muito da tua colaboração com este tema, para mim trouxe exclarecimentos importantes. Espero que os leitores deste blog reflitam sobre estas informações e apliquem nos seus serviços, pois estou certo que elas ajudarão a melhorar muito a maneira de se passar as informações sobre os pacientes de UTI.

Aguardem o encerramento deste assunto na próxima postagem.

Abraços a todos.

domingo, 15 de março de 2009

Avaliação em UTI. Passagem de plantão (parte 1)

Na postagem anterior, falei um pouco sobre a importância da ronda pelos leitos de UTI ao chegar no setor para uma nova jornada de trabalho. Nesta postagem, falarei um pouco sobre a PASSAGEM DE PLANTÃO EM UTI.

Este assunto não é muito discutido pelos fisioterapeutas plantonistas da UTI. Acredito que a principal causa disso seja a pouca quantidade de hospitais públicos e privados que dispõem de fisioterapeutas em período integral neste setor. É fato que plantões integrais contribuem mais na recuperação dos pacientes que os plantões em período de 12 horas ou menos. As vantagens estão no tempo maior de vigilância e realização das atividades fisioterapêuticas e na garantia da continuidade de uma proposta terapêutica discutida no "round", passada de plantonista para plantonista.

A passagem de plantão é a primeira etapa consistente na busca de informações do paciente e auxilia as etapas seguintes, por exemplo: No exame físico, ela pode orientar na busca de achados específicos e no exame complementar, uma busca de resultados ou solicitação de novos exames.

É importante que o plantonista que passa as informações faça um resumo dos acontecimentos no seu turno de trabalho e em alguns casos, ele deverá informar fatos mais antigos para esclarecer uma evolução que não ficou clara. Impressões pessoais e propostas terapêuticas e diagnósticas poderão concluir a passagem de cada caso.

De cara, a passagem de plantão pode parecer simples, mas deve-se ter cuidado, pois informações fundamentais mal passadas ou assimiladas atrapalham o planejamento e a tomada de decisão do plantonista que assume.

Não existe um modelo específico de passagem de plantão, cada plantonista pode ter uma forma própria. Algumas vezes a forma com que um plantonista passa as informações não é muito adequada para aquele que recebe. Informações muito sintéticas, muitos detalhes não fundamentais e interferência com assuntos inapropriados podem prejudicar a formação de uma idéia correta sobre um caso.

Outros fatores que podem atrapalhar são: baixa capacidade de concentração e memorização daquele que recebe, pouco tempo disponível (pressa) durante a passagem de plantão, muita quantidade de informações, interferências de outras pessoas, barulho de alarmes...

Aguardem a segunda parte deste tema.

Abraços a todos.