sábado, 14 de junho de 2008

Ventilação não invasiva (VNI) - relato de caso em pediatria

A Ventilação não invasiva (VNI) é uma alternativa à ventilação mecânica que utiliza uma via aérea endotraqueal.

BREVE HISTÓRICO:
O registro do uso da VNI data de muitos anos, desde 1838 quando o médico escocês John Dalziel desenvolveu um aparelho que envolvia quase todo o corpo do paciente, só a cabeça ficava do lado de fora, era um respirador manual gerador de pressão negativa extracorpórea. No mesmo ano, Alvan Barack publicou o 1º trabalho com o uso da pressão positiva (CPAP) com máscara no tratamento do edema pulmonar agudo. Na década de 1960 surgiram os primeiros estudos que mostraram as lesões traqueais causadas pelo uso do TOT durante a ventilação mecânica, nesta época houve um crescimento no uso da VNI. Em 1995, Brochard e cols. mostraram uma redução da mortalidade hospitalar com o uso da VNI.

Hoje em dia, a VNI é utilizada em larga escala em muitas patologias respiratórias tendo um bom nível de evidência sobre os seus resultados. Há anos, estudos científicos descrevem sobre as complicações relacionadas ao tubo orotraqueal (TOT) ou a cânula de traqueostomia (TRQ) durante a VM. Estas complicações podem ser de causas infecciosas (como as traqueobronquites, infecção do óstio da traqueostomia e as pneumonias associadas à ventilação mecânica - PAVM), traumáticas (no ato da intubação) ou pelo tempo prolongado de permanência da via aérea (lesão na laringe, cordas vocais, traquéia...).

A taxa de morbidade e mortalidade e o custo do tratamento aumentam bastante quando estas complicações aparecem. Então, surgiram muitas pesquisas para o desenvolvimento de novos equipamentos hospitalares (interfaces ventilatórias não invasivas e respiradores com modos ventilatórios mais apropriados) em substituição à ventilação invasiva.

As interfaces ventilatórias não invasivas mais comuns são: Máscaras faciais, máscaras nasais, peças bucais, prongas nasais, capacetes (helmet), máscaras full face (rosto inteiro) e outras, cada uma com materiais muito sofisticados para promover maior ajuste e conforto durante a VNI.

Na teoria, VNI pode ser realizada com qualquer modo ventilatório, porém as modalidades mais apropriadas são o BiPAP com a compensação de fugas aéreas e o CPAP de fluxo contínuo.

Existem limitações para o uso da VNI, como o grau de hipoxemia e hipercapnia, o grau de injúria pulmonar, o nível de consciência do paciente e outros fatores. Os pacientes em eminência de PCR ou em parada cardiorrespiratória, instabilidades hemodinâmicas graves, baixo nível de consciência, os incapacitados de protegerem as vias aéreas, os com traumas na face, os com obstrução das vias aéreas, presença de epistaxe severa, vômitos, cirurgia de face ou das vias aéreas recentes, hipoxemia severa e outras, devem ser ventilados invasivamente, seja pela introdução do TOT, TNT ou uma traqueostomia.

Algumas complicações podem acontecer em virtude da interface utilizada: irritação e úlcera de pressão na pele, distensão gástrica por aerofagia e ressecamento nas conjuntivas e mucosas nasal e oral. Muitos pacientes não toleram algumas interfaces, mesmo quando inicialmente há indicação clínica de VNI e então evoluem para ventilação invasiva.

Alguns pacientes com IRp aguda ou crônica admitidos na internação hospitalar ou mesmo aqueles internados no CTI ou enfermarias podem precisar de VNI. Eles devem ser avaliados quanto ao tipo de interface mais apropriada. Nos casos de IRp leve e nos pacientes despertos e interativos, podemos utilizar uma máscara nasal. Nos casos de IRp moderada ou quando o paciente não está muito desperto, damos preferência para as máscaras que envolvem todo o nariz e a boca (máscara facial, full face e helmet). Na pediatria podemos utilizar uma pronga nasal ou uma máscara facial.

Os modos ventilatórios, CPAP ou BiPAP, devem ser escolhidos quanto ao tipo de IRp. Existem trabalhos científicos com bons níveis de evidência que indicam cada uma dessas modalidades com o tipo de IRp. Na do Tipo I, hipoxêmica, o CPAP tem uma boa aceitação e na do Tipo II, hipoxêmica e hipercápnica, o BiPAP deve ser indicado.

Muitos estudos e revisões sistemáticas têm atestado a eficácia da VNI-BiPAP como primeira linha de tratamento das exarcebações da DPOC. A VNI-BiPAP reduziu a taxa de mortalidade, a taxa de intubação e a probabilidade na falha no tratamento.

Uma meta-análise publicada no Lancet em 2006 por Peter J.V. e cols., os autores falam dos efeitos da NIPPV na mortalidade de pacientes com edema pulmonar agudo cardiogênico. A conclusão foi que CPAP foi superior ao BiPAP e ambos foram superiores ao tratamento convencional (sem VNI) quando analisada a taxa de mortalidade destes pacientes, nível A de evidência.

No mal asmático não existem ainda trabalhos consistentes quanto ao impacto da VNI na mortalidade destes pacientes. No trial prospectivo, randomizado e controlado com 30 pacientes, publicado na Chest em 2003 por Soroksky A. e cols., os autores constataram uma significante melhora nos testes de função pulmonar - aumento de 50% no VEF1 em 80% dos pacientes.

A VNI tem sido utilizada no pós-operatório e na pneumonia comunitária. Numa revisão sistemática, Keenan e cols. publicaram na Crit Care Med em 2004, uma série de trabalhos relacionados ao uso da VNI na falência respiratória hipoxêmica em pacientes com imunodepressão, ressecção pulmonar, pneumonia adquirida na comunidade, falência de pós-extubação e grupos heterogênios de pacientes. O resultado geral da revisão deles aponta para uma redução significativa na taxa de intubação e na mortalidade dos pacientes que receberam VNI quando comparada aos pacientes que não receberam VNI.

Muitos estudos têm avaliado o uso da VNI durante o desmame da VM invasiva. Burns e cols. publicaram uma meta-análise na Cockrane Database Syst Rev em 2003, sobre o papel da VNI como estratégia de desmame dos pacientes adultos com várias patologias em VM invasiva. O resultado foi uma redução significativa na duração total da VM, na incidência de pneumonia associada à VM, no tempo de permanência no CTI e no hospital e na taxa de mortalidade.

VNI EM PEDIATRIA:

Não existem muitos registros da aplicação da VNI em pediatria, principalmente com grupo controle. Os primeiros registros foram relatos de casos do Akingbola e cols. em 1993, eles constataram a eficácia do uso da VNI nasal em duas crianças com 12 anos de idade que tinham insuficiência respiratória devido atelectasia e edema pulmonar.

Grande parte dos registros favoráveis da VNI em pediatria foram feitos em crianças mais velhas, portadoras de patologias respiratórias iguais àquelas dos adultos em que a técnica tende a ser bem sucedida.

Crianças muito pequenas apresentam uma resistência nasal alta e podem ser difíceis de cooperar. Alguns estudos, como o de Fortenberry e cols. publicado na Chest em 1995, relatam sucesso no tratamento de crianças menores de 5 anos com VNI.

As indicações da VNI em pediatria são as mesmas para os adultos, porém devemos considerar algumas particularidades antes da sua aplicação. 1- Em geral, crianças menores toleram melhor a hipoxemia. 2- As vias aéreas superiores das crianças são bem estreitadas e mais delgadas. 3- Crianças menores sofrem mais com as complicações traumáticas pelo TOT e por isso o TOT delas é sem "cuff". 4- As brocoaspirações são mais freqüentes nas crianças pequenas.

RELATO DE CASO:
Lactente adimitida no CTI com quadro de febre alta e crise convulsiva. Inicialmente foi sedada, intubada e acoplada ao ventilador mecânico. O foco infeccioso foi identificado e tratado. Após a melhora clínica a lactente foi extubada e mantida em oxigênioterapia com macronebulização com baixo fluxo. No dia seguinte apresentou hipoxemia, piora ventilatória, agitação e muito choro. Ver a radiografia de tórax abaixo.

A fisioterapia instituiu CPAP (fluxo contínuo) com 10 cm H2O através de uma máscara nasal adulta adaptada e decúbito lateral direito.

A oxigenação melhorou muito junto com o conforto e o padrão ventilatório (a lactente dormiu). Após 40 minutos repetimos a radiografia de tórax e em seguida retiramos o CPAP.

Este relato de caso nos mostra uma situação (atelectasia total do pulmão esquerdo) em que a VNI pode ajudar bastante. O sucesso da conduta depende da vigilância e da monitorização constantes durante a sua aplicação. Os riscos e as complicações potenciais associados à técnica são minimizados ou mesmo evitados quando a conduta está bem indicada e os ajustes necessários são realizados com critério.

Obrigado!

Aguardem novas publicações.

Abraços a todos.